sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Dia de Muertos


Dia de Finados ou Dia de Muertos, aqui no Mexico.
 
Esse é um dos feriados mais importantes por aqui, um patrimônio da humanidade pela UNESCO. E uma das festas mais coloridas também.
Agora você deve estar se perguntando: “Festa? No dia de Finados? Que raios de católicos são esses mexicanos?”.
Pois é, a maneira como eles encaram a morte é um pouco diferente da maioria dos brasileiros que eu conheço, independente da religião. E isso tem raizes nas culturas antigas,e que ainda está muito presente no mexicano moderno.
Em relação aos brasileiros no dia de finados, eu os divido em três tipos diferentes:
- aqueles que, nesse dia, visitam o cemitério, compram flores para enfeitar as lápides de seus entes queridos e choram o resto do dia, de saudades dos que se foram.
- aqueles que se reúnem em missas, cultos, para orar pelos que se foram
- aqueles que aproveitam o feriado para viajar. Aqui me incluo pois mesmo tendo perdido pessoas muito importantes para mim, eu nunca fui de visitar cemitério ou ir à missa....

 Então, o que há de tão diferente no dia dos mortos mexicanos?

Tudo!
A visão da morte para as civilizações pré-hispânicas (maias, astecas, zoltecas, etc...) não tinha a conotação moral da igreja católica. Não havia o binômio paraiso/inferno, premio/castigo.
A morte não era tratada como uma ausência, mas sim como uma nova etapa da “vida”.
Trazendo essa visão e mesclando com a dominação católica-hispânica, o resultado é que, os mexicanos entendem o dia dos mortos como o dia em que seus entes queridos virão para uma visita. E ninguém recebe visita com cara fechada, olhos mareados de choro, com a casa bagunçada e sem comida, certo?
E é isso que os mexicanos fazem no dia dos mortos: se preparam para passar um dia com o finado.
Dito isso, devo explicações: a imensa maioria dos mexicanos ainda é católica, com ínfima parcela em outras religiões. E eles não imaginam que o ente querido vá se “materializar” na frente deles, para uma visita. É mais como uma maneira de recordar o morto usando todos os nossos sentidos (olfato, paladar, tato, audição, visão).
O dia 1 de Novembro é o dia de los angelitos, dia dedicado a relembrar as crianças que morreram e que iniciam sua viagem/visita na noite de 31 de outubro.
No dia 2 de novembro, feriado, é a data para os mortos adultos, que por sua vez, iniciam a viagem na noite do dia 1°.
Os cemiterios ficam lotados nesses dias, inclusive a noite. E é comum ver familias inteiras fazendo refeições completas junto à tumba/lápide de seus entes queridos

Cá entre nós, eu fico aqui pensando... se essas almas realmente viajassem para essas visitas e já que a recepção é tão calorosa e agradável, quem é que gostaria de voltar para o outro lado?
Eu, hein?!  Na minha imaginação fértil, isso daria um bom livro/filme... uma alma que veio visitar sua familia e resolveu ficar. Já pensou?

Well, voltando as coisas mais séries e nem por isso menos interessantes...

A morte tem inúmeras representações na cultura mexicana. Inclusive, as Catrinas, caveiras supercoloridas, vestidas e adornadas ricamente, são figuras que povoam toda a arte mexicana. E são lindas !!!!!



 O lance é que, toda família mexicana prepara em casa um altar com vários itens para celebrar esse dia, essa visita.
Usualmente, esse altar tem três níveis: céu, inferno e purgatório. Mas há quem faça com muitos mais níveis. Uma simples caixa de sapato, unida à outra e à outra, revestida com papel colorido já basta. Para adornar, uns palitos tipo churrasco, cercam as bordas, onde se colam outros papeis coloridos, lembrando algo da nossa Festa Junina.
O altar, em si, pode ficar em cima de uma mesa ou aparador, ou ser grande o suficiente para reunir todos os demais itens em si mesmo.

Os mexicanos imaginam que o ente querido vá fazer uma viagem até a casa de sua família e para isso preparam um altar com coisas que irão facilitar a sua “viagem”.
Cada oferenda e item do altar tem um significado:
- um copo de agua: para matar a sede do visitante e também porque representa a pureza da alma
- a comida preferida do morto (ele vai estar com fome depois da grande viagem, certo?)
- as  velas – para iluminar o caminho
- o retrato do defunto – que é colocado de costas e frente a ele se coloca o espelho para que o defunto só possa ver a  seus familiares.
cruz feita com a flor cempasuchil

- a cruz católica (introduzida depois da invasão hispânica...)









- velas – será a luz para guiar o morto pelo caminho até o altar


- copal e incenso : o copal é um elemento pré-hispânico que servia para purificar as energias de um lugar e o incenso serve para santificar o ambiente  



- arco- esse arco simboliza a entrada do mundo dos mortos e geralmente é adornado com flores amarelas dessa época, cempasúchil

- papel picado –  para representar a alegria de receber essa visita





- caveiras – calaveras de açúcar, ricamente decoradas e que servem para recordar que sempre estamos presentes  

- pão típico : el pan de muerto, um pão feito com farinha branca, açúcar e casca de laranja. Esse item também foi agregado com a evangelização dos índios e representa a eucaristia

- bebida : geralmente alcoolicas – tequila, o mezclal, etc...
- objetos pessoais – por ex, se o defunto fumava, um cigarro; se gostava de musica, um violão, e assim por diante

Com todos esses itens nas mãos, basta escolher o lugar e montar o seu altar.
Se você é estrangeiro e nunca fez nada parecido (como eu), pode comprar todos esses itens em uma feirinha no Parque Morellos, bem no centro da cidade, cujas barraquinhas, nessa época do ano, só vendem essas coisinhas. Digo coisinhas porque você pode optar por ter no seu altar os itens em tamanho natural, ou compra-los em miniaturas, as vezes feitos de resina, as vezes de papier maché.

 
Esse foi o altar que fizemos em casa e ficou "muy rico".
 

Nas escolas mexicanas, as crianças são convidadas a confeccionar um altar em conjunto, geralmente para personalidades da historia mexicana.


Esse foi o altar - imenso- que fizeram na escola dos meus filhos.
















É dificil passar o tipo de energia que se sente nessa época aqui no Mexico. Parece uma festa, mas com muito respeito.

Os cemitérios mais concorridos e com tumbas interessantes, organizam tours monitoradas durante esse período, uma vez que os mexicanos se preparam para esse evento com semanas de antecedência.
Infelizmente nós não tivemos pique de encarar esse ritual, mas talvez façamos em um outro ano.
Afinal, não é qualquer cemiterio que tem a tumba do Vampiro, ou do menino que tinha medo do escuro e cujo caixão voltava à superfície todas as noites!
Lendas do cemiterio local, caros amigos....

Eu não sei quanto aos outros estrangeiros que vivem no Mexico, mas minha familia e eu vamos adotar esse hábito de construir um altar para nossos mortos queridos no dia de finados, mesmo que a gente não mais viva no Mexico.
Me pareceu uma maneira muito agradável de celebrar o tempo que tivemos com pessoas queridas.

Não sei, posso ser muito "boba", mas depois dessa celebração, a dor da perda me pareceu mais suportável.
Claro que nunca o vazio deixado por uma pessoa amada vá ser preenchido com papel picado, incenso ou pan de muerto.
Mas definitivamente, para mim, esse vazio parece um pouco mais cheio de uma presença suave, como se essas almas realmente tivessem nos visitado e soubessemos que essas visitas irão voltar e poderemos novamente estar com elas.

Com um pouco de atraso, mas com a melhor das intenções:
Feliz dia de los muertos, para vocês!